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quarta-feira, 18 de maio de 2011

193 x 200 cm

Sentiu no pescoço a cintilância aguda da lua. Podia cheirar a adrenalina, o corpo todo uma corrente elétrica, cada simples passo um fagulha mais ardente. Estava feliz. Não se deu conta, mas sorria com os dentes arreganhados, sorria com a impaciência de quem esperara demais para rebentar em alegria. Comovidas pelo impulso que rodeava sua aura, as mãos brilhavam, frias, sem suar pela primeira vez em tempos. 
Quando se sentira tão viva pela última vez? Não conseguia se lembrar. Estranha antítese essa da liberdade trocada pelo segredo. Sim, segredo, claro, não havia outro modo. Imaginava a cara das amigas, no almoço do próximo sábado, ouvindo ela contar como Heitor nem reagira ao seu ataque súbito. Como aquele paquiderme nem tivera a decência de se defender, sucumbira rápido sobre o poder de sua agulha no pescoço largo. Engraçado como uma coisa tão trivial, tão necessária como o ar podia ter lhe sido tão útil. Aliás, fazia todo o sentido. Agora sim, podia respirar.
Meses de planejamento, um estudo detalhado da rotina de Heitor, suas nuances mais secretas desvendadas em planilhas simples do Office. Finalmente aquele curso na SOS valera a pena. Elaborou com fervor seu festim diabólico, sua libertação pagã, seu ato de misericórdia. Impressionante como era fácil comprar ácido sulfúrico em lojas de materiais de construção. O tonel grande, de aço maciço, projetado para guardar despojos mil não podia ser uma última morada mais adequada. Heitor finalmente iria estar onde merecia.
Chegou em casa sem pressa, chacoalhou a chave antes de virar na fechadura, maldita porta antiga... Encostou o corpo na parede da sala, apoiada pela mesinha pequena que guardava as correspondências, organizadas numa pilha de importância. Saboreou o silêncio inédito numa noite de quarta-feira. Andou até a cozinha e serviu-se de uma taça de vinho. Sorveu um pequeno gole e suspirou, antecipando a onda ainda maior de alivio que haveria de acertá-la na face.
No quarto observou-se atentamente no espelho, a roupa impecável, o avental de açougue realmente fora uma excelente idéia. A ausência de qualquer pingo do sangue de Heitor confirmava o caráter sacro de sua missão. Tinha cumprido seu chamado. Entrou no banheiro da suíte, despiu-se devagar fitando a porta escancarada. Tinha reconquistado o direito da nudez despudorada da solidão. Pulou no box e tomou uma chuveirada rápida, o jato de água quente massageando e absolvendo cada pedaço de seu corpo . Secou-se com cuidado e calçou os chinelos dispostos no tapete felpudo, antiderrapante.
Caminhou, decidida, para a cama. Sentou-se na beirada, alisando os lençóis de linho egípcio, de setenta e nove fios. Com reverência deixou as mãos percorrerem toda a extensão do colchão king size, cobrindo cada pedaçinho. Seca. Nunca mais veria uma toalha molhada profanando a secura religiosa de sua cama. Estava livre. Gargalhou sozinha, sentindo a cabeça ficar mais leve com o ressonar de seus grilhões se rompendo.


sábado, 14 de maio de 2011

Cadeia Alimentar


- Essa situação está insustentável, não se pode mais ficar parado sabendo o que está acontecendo com os nossos companheiros de luta.
O Tomate suspirou, parecia exausto da luta diária. Os inimigos estavam se fortalecendo, o companheiro Brócolis tinha razão. Ontem mesmo, escondido atrás do rio de Suco de laranja ele havia visto uma marcha insolente de blocos de Miojo, fortemente armados, cada um com um pote grande de pózinho condimentado. Entoavam canções de batalha:
- Oh lê lê, oh lá, lá, Miojo vem aí e o bicho vai pegar! Tropa Miojo tão suave de roer, come logo no almoço de frente pra TV!
É, a vida estava ficando cada vez mais arriscada no vale. Os companheiros chegavam com um espaçamento cada vez maior, ele contava com suas sementes os dias que se passaram desde que vira chegar, manso, com uma esperança tão azul nos olhos, o companheiro Mamão Papaya. Chegou num dia especialmente difícil, de muitas baixas, quando depois de terremotos violentos alguns dos companheiros mais fibrosos haviam padecido e sido expulsos. Mamão tinha sobrenome, era fino, tinha vindo de uma caixa especial, embrulhado com uma película branca amortecedora, adereçado com etiqueta de frágil. Ouvira da mãe que os de sua linhagem tinham destino nobre, costumavam se casar com as ordens mais abastadas de Cassis. Não podia se conformar com o destino triste, de refugiado, que tivera. Ficava pelos cantos se perguntando aonde tudo tinha começado a ir pro brejo.
O Brócolis fazia parte da militância ativa. Carregava cartazes, tentava proteger seu arsenal de vitaminas dos soldados Pão sem casaca com unhas e dentes. Diziam pela parte mais baixa do vale, onde moravam os mais velhos, que ele já tinha até feito uma bola de Sorvete de flocos ser eliminada, sem nem deixar a inimiga dissolver.
Mas a situação tinha chegado ao seu limite. Se não recebessem reforços os coloridos não poderiam mais lutar. Os ocupantes estavam envelhecidos, cansados, cada vez mais desprovidos de suas vitaminas e antioxidantes, furtados a mando do numeroso exército dos industrializados, regidos pelos Nuggets super crocantes e os blocos de Miojo.  Urgia a mudança, o próximo terremoto podia ser a qualquer instante.
O último a tentar uma trégua fora o Kiwi. Gringo, cheio de malemolência, acostumado a conquistar as gatinhas com sua pele macia ele achou que ser diplomata era um incumbência feitinha pra ele. Ele nem viu a parte queimadinha do Hambúrguer de frango que lhe levou as vitaminas C. Padeceu ali mesmo, a face dura do terror inesperado.
Estavam em assembléia, reunidos atrás da montanha de Sucrilhos, flocos que unidos no Leite se recusavam a separar-se, formando uma massa única, confusa e preguiçosa. A confusão estava instaurada. Brocólis havia consultado a companheira Cenoura, mais antiga heroína da resistência, três terremotos no currículo e sobrevivendo, sempre amparada pela amiga Vagem. Sofrera com o tempo, há muito perdera seu betacaroteno na mão covarde de um Biscoito recheado. Cenoura incitara a revolta, proclamava uma atitude ativa, um ataque estratégico aos inimigos. Tomate tentava debater, explicava que a missão era kamikaze. Os ânimos estavam exaltados.  Eles eram minoria, seria impossível sobreviver num confronto direto. Foi então que sentiram um pequeno tremor. Seguraram as mãos, fizeram uma roda, se preparando para o pior, tão cedo ainda para partir. Ouviram então em eco a voz abafada daquela que viria a ser sua salvadora:
- Chega Alícia, não agüento mais ouvir falar de dor de barriga. Hoje vou fazer uma sopa de legumes caprichada e a senhorita vai tomar tudinho!
Depois de duas horas, em êxtase, brindavam no leito do Suco de Laranja a chegada dos reforços. Gritos de euforia e reencontros chorosos deram o tom da chegada dos novos heróis. Estavam salvos, pelo menos por enquanto. 

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Carta de um gerente

Guaratinguetá, 27 de janeiro de 2005

Prezado Júlio Barbosa Souza,
                Identificamos em nosso sistema que o pagamento das parcelas 34 (trinta e quatro) e 57 (cinqüenta e sete), de seu consórcio da motocicleta HBJT 814, da empresa Wild, ano 2004, adquirida na loja Esquilo Feliz, sobre financiamento de nosso banco, não foi identificado.
                Venho por meio desta comunicar que se os referidos pagamentos não forem efetuados em até 10 (dez) dias úteis (a partir da data de postagem desta notificação) sua motocicleta será reempossada, tornando-se patrimônio do banco a ser leiloado.
                Seu Julio, o Senhor não quer perder a moto. Não quer ter que pegar ônibus lotado, ir a pé na padaria nem ficar sem o ventinho na cara. O Senhor não quer largar os pedais para ser amarrado numa mesa de fórmica bege, num escritório quadrado de teto baixo. Teto baixo, de pouquinho em pouquinho, esmaga a dignidade da gente. O Senhor não quer ouvir sua esposa reclamar de seu emprego de merda, do seu salário de bosta, de seu cansaço nojento, você todo, um esgoto só. O Senhor não quer ser esgoto. O Senhor não quer pagar escola particular, inglês, capoeira e balé para acabar descobrindo na extensão que as crianças te acham um babaca. O Senhor não quer ser babaca. O Senhor não quer comprar chumbinho na venda da esquina e receber o troco em bala velha, derretida.
                Seu Julio, pague a moto, por obséquio.

Cordialmente,
Felício Antunes
Gerente.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Quando eu era criança queria ser modelo, mas aos vinte descobri que amava demais macarrão à carbonara.
Quando eu era criança queria ter 11 filhos, um time de futebol, mas aos dezessete comecei a ver que vida é cara e rara demais pra tanta produção.
Quando eu era criança achava que Titanic era o melhor filme do mundo, mas aos quatorze conheci o meu primeiro Tarantino.
Quando eu era criança sonhava em casar de véu e grinalda, cheia de certeza que ia durar pra sempre, mas aos dezenove eu fui obrigada a aceitar que as escolhas são múltiplas, constantes e necessárias.
Quando eu era criança acreditava em assombrações e fantasmas com correntes, mas aos vinte percebi que os fantasmas são internos e sempre muito reais.
Quando eu era criança queria ser secretária, mas aos vinte e um descobri que agenda enorme de couro tem bem mais graça quando vivem vazia.
Quando eu era criança queria morar numa casa enorme, cheia de quartos e closets, mas aos dezoito aprendi que a poeira se renova diariamente.
Quando eu era criança achava que amigo de verdade era aquele que dormia na sua casa no sábado e chegava no seu aniversário na hora, mas aos vinte e três percebi que amigos mesmo são aqueles que estão junto sobretudo na ausência, em cada pensamento e gesto carinhoso.
Quando eu era criança gostava de viajar e fingir que ia morar pra sempre no destino novo, mas aos vinte e dois comecei a sentir que o gosto de ter uma casa e um sotaque pra voltar trazem qualquer destino pra dentro da gente pra eternidade.
Quando eu era criança acreditava em fada madrinha e milagres, mas aos dezessete comecei a jogar na megasena toda semana.
Quando eu era criança gostava de usar roupas parecidas com as das meninas da minha sala, mas aos quinze passei a detestar ver qualquer criatura com a mesma roupa que eu.
Quando eu era criança gostava de brincar com cachorros e dormir aninhada em gatos, mas as vinte e quatro descobri que certas coisas nunca mudam.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Folhetim

            1


           Célia fechou a janela. O vento frio lhe incomodava, manchava-lhe as têmporas de vermelho, como se quisesse expor suas fraquezas. Já estava vulnerável demais, à ocasião, as risadas abafadas, ao tintilar das taças e a conversa que entreouvia de seu quarto reservado. Não podia desabar, não agora.
            Pensou em Gilberto, em seus cabelos castanhos, torrados pelo sol naquele janeiro quente, embolados ao vento na praia cheia. Pensou em tudo que diria a ele se estivesse perto de seu calor numa tarde de verão, sorvendo cada minuto ao lado daquele a quem prometera sua vida, anos antes. Eram tão jovens, acreditavam que o pra sempre se aplicava a casos de verão banhados em Sundown. Prometera aquele homem a sua juventude, os seus sonhos e sua cintilância e não podia deixar de pensar que o cumpria. Sobretudo naquele dia frio, naquela terra distante, rodeada por aquele povo que não era o seu, não arrulhava em seu idioma.
            Era ali, pronta para jurar diante dos que não eram os seus, fidelidade eterna a uma vida que não sonhara, era ali que prestava o voto perpétuo aquele que mais amara. Era anulando-se que se sentia mais dona de si, capaz de realizar tudo aquilo que sempre se comprometeu a honrar.
            Puxou de uma gaveta da penteadeira de mármore adornada com um puxador de vidro veneziano – estranho que tanta beleza ornasse o cenário de tamanha frieza interior- um frasco de perfume importado, chique. Derramou sobre o colo o líquido dourado, sentindo o aroma lhe entranhar os pulmões. Respirou fundo, procurando absorver seu frescor. Precisava nutrir-se, não podia fraquejar agora, tão perto de seus objetivos. Olhou seu reflexo. Pálida demais. Retocou o blush e sentiu a vida rosada e falsa lhe preencher as bochechas, como se lhe dotasse o interior de mais sentimentos vazios para despejar. Ensaiou o anseio, a alegria incontida que acreditava que precisava transparecer. Era o papel de uma vida, logo destinado a ela, que sempre rejeitara palcos empoeirados.
            Ajeitou o decote, a vida fora dos trópicos fizera bem ao seu corpo, tornando-o mais volumoso. Sorriu de leve, pensando em como a insipiedade de sensações tinha feito desabrochar sua feminilidade corporal. Estava pronta.
            Caminhou até a porta, vagarosamente, como se em cada passo deixasse pra traz uma inocência. Sacudiu a cabeça, com cuidado, pra não desfazer os cachos falsos, do cabelo recém- aloirado, refletindo sua aparente necessidade de pertencimento aquele povo gelado.
            Tornaria-se em breve a Sra. Smith.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Girls just wanna have fun

Debaixo d’água,
Acima do céu,
Entre estrelas e ostras,
Sonho de brisa,
Noite de janeiro.
Saudade dos castelinhos!
Verde espera pela sexta-feira,
batom Pink chiclete,
sandálias de salto,
aladas e livres.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Aviso aos navegantes

Sou péssima com revisões e afins, portanto esperem erros crassos do português padrão, ausência de acentos e vírgulas, erros de digitação e muitas trapalhadas. Mas elas vem embaladas em amor e criatividade, garanto.  =)